O diabetes melito tipo 2 (DM2) é uma doença crônica altamente prevalente em todo o mundo, atingindo 18 a 20% dos adultos com mais de 65 anos. Estima-se que aproximadamente 415 milhões de pessoas no mundo todo (7%), entre 20 e 79 anos, tenham diabetes atualmente, dos quais 70% vivem em países de rendas média e baixa. A previsão é de que esse número cresça em mais de 50% nos próximos 20 anos, caso programas preventivos não sejam implementados (ver figura a seguir).1
Antes do United Kingdom Prospective Diabetes Study (UKPDS), não existia a evidência de que um controle glicêmico intensivo, determinado por terapia mais agressiva aliada a monitoramento e acompanhamento médico mais frequentes, pudesse diminuir as complicações a longo prazo causadas pelo DM2.2
No entanto, mais de 10 anosforam necessários para demonstrar benefícios cardiovasculares, especificamente na doença aterosclerótica, resultantes do controle glicêmico intensivo alcançado durante esses ensaios, conforme relatado no Diabetes Control and Complications Trial/Epidemiology of Diabetes Interventions and Complications Study (DCCT/EDIC) e no UKPDS 34.2,3
Após a saída da rosiglitazona do mercado, as agências reguladoras, especialmente a americana Food and Drug Administration (FDA), passaram a exigir estudos de segurança cardiovascular para todos os novos fármacos que são lançados para o tratamento do diabetes. Os resultados desses estudos são variáveis. Alguns, como o ACCORD, mostraram aumento do risco de mortalidade, mas a maioria foi neutra, ou seja, não mostrou benefício nem malefício quando comparada a bons tratamentos clínicos nos quais o placebo foi adicionado.
No último ano duas drogas trouxeram notícias alvissareiras para a clínica médica. A empagliflozina, analisada no elegante estudo EMPA-REG, e a liraglutida, analisada no excelente estudo LEADER, mostraram resultados surpreendentes (ver quadro a seguir).4,5
EMPA-REG | LEADER | |
No de pacientes | 7.020 | 9.340 |
Redução de mortalidade por doenças cardiovasculares | –38% | –22% |
Redução de mortalidade por qualquer causa | –32% | –15% |
Hospitalização por insuficiência cardíaca congestiva | –35% | –13% |
Esses dados representam uma revolução positiva na endocrinologia. Agindo por mecanismos completamente diferentes, esses fármacos, que fazem parte do nosso repertório há menos de 5 anos, promovem uma mudança real nas consequências funestas do diabetes.
A liraglutida, um análogo do GLP-1, é muito bem estudada. O GLP-1 é parte importante na cirurgia bariátrica e metabólica e vem sendo esmiuçado há mais de 20 anos. Os mecanismos de ação da droga estão bem descritos, e a segurança cardiovascular foi a cereja que faltava no bolo.
A empagliflozina foi uma surpresa completa. Os mecanismos de ação pelos quais o medicamento obtém esse resultado de proteção cardiovascular ainda são desconhecidos. Aparentemente, a cetose como troca de substrato pode ser um dos mecanismos. É importante lembrar que esses níveis de prevenção foram obtidos em concomitância com mais de 80% de uso de inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECA) ou de bloqueadores do receptor da angiotensina (BRA) + estatina.
O tratamento multifatorial dos riscos cardiovasculares conta agora com fármacos antidiabéticos seguros que podem ser associados à metformina, o padrão-ouro para início de tratamento do DM2.
Cabe às sociedades médicas mostrar ao poder público que o tratamento rigoroso, com metas rígidas desde o início da doença, evitando a inércia e objetivando fatores de risco múltiplos (hipertensão, colesterol, obesidade e diabetes) pode trazer benefício na prevenção de doença desonerando o Sistema Único de Saúde e eventualmente disponibilizando fármacos de última geração para toda a população diabética.
Referências bibliográficas
- American Diabetes Association. Standards of medical care in diabetes –2014. Diabetes Care. 2014; 37(Suppl 1):S14-80.
- UK Prospective Diabetes Study Group. Effect of intensive blood glucose control with metformin on complications in overweight patients with type 2 diabetes: UKPDS 34. Lancet. 1998; 352:854-65.
- Nathan DM, Cleary PA, Backlund JY et al.; for the Diabetes Control and Complications Trial/Epidemiology of Diabetes Interventions and Complications (DCCT/EDIC) Study Research Group. Intensive diabetes treatment and cardiovascular disease in patients with type 1 diabetes. N Engl J Med. 2005; 353:2643-53.
- Zinman B, Wanner C, Lachin JM et al. Empagliflozin, cardiovascular outcomes, and mortality in type 2 diabetes. N Engl J Med. 2015; 373:2117-28.
- Marso SP, Daniels GH, Brown-Frandsen K et al.; LEADER Steering Committee on behalf of the LEADER Trial Investigators. Liraglutide and cardiovascular outcomes in type 2 diabetes. N Engl J Med. 2016.