Sérgio Vencio
Conselho editorial do site SBD
O último número do jornal Diabetes Care traz um interessante artigo que estuda a relação entre o nível de hormônio tiroideano, a hemoglobina glicada (A1c) e a albumina glicada (AG). A A1c tem sido amplamente utilizada para se avaliar a média do controle glicêmico nos últimos três meses. Já a albumina glicada tem sido testada para se avaliar a média glicêmica de curto prazo. Todos esses marcadores de média glicêmica estão sujeitos a interferências. No caso específico, toda doença que interfere no metabolismo da hemoglobina alterará a glicação da hemoglobina e consequentemente os valores de A1c. O mesmo ocorre para as doenças que alteram o metabolismo protéico e a albumina. A hipótese levantada no estudo era a de que os valores de A1c ou de AG não refletem a média glicêmica com acurácia na vigência do hipotireoidismo.
Para esse estudo os autores selecionaram 45 pacientes com diabetes e câncer de tiroide que iriam suspender o hormônio tiroideano para receber uma dose de iodo radioativo, como parte do tratamento do câncer de tiroide. Além disso, 180 indivíduos em bom estado de saúde e sem alteração na tiroide foram selecionados como controle para o estudo.
Um segundo estudo prospectivo foi realizado em pacientes com câncer de tiroide, sem diabetes que iriam também se submeter ao tratamento com iodo radioativo.
Mee Kyoung Kim et al. encontraram que os níveis de A1c foram significativamente maiores em pacientes com hipotireoidismo quando comparados com indivíduos controle. Além disso, níveis de A1C diminuíram após a terapia de reposição hormonal da tiróide em pacientes com franco hipotireoidismo. O nível sérico de eritropoietina, a contagem de reticulócitos, e a hemoglobina total aumentaram após a terapia de reposição hormonal da tiróide, sugerindo que o hormônio da tireóide estimula a eritropoiese. A mudança no nível de A1C foi negativamente correlacionada com a mudança na contagem de reticulócitos contagem e da hemoglobina total. Estes dados sugerem que a terapia de reposição hormonal da tiróide está associada com uma diminuição no nível de A1C, que é influenciada por aumento da eritropoiese ao invés de mudanças no nível de glicose.
O comitê da American Diabetes Association, que estudou o assunto (ADA Expert Committee) recentemente aprovou uma A1C entre 5,7-6,4%, como diagnóstico de pré-diabetes (intolerância a glicose). De acordo com estes critérios, 20% dos pacientes do segundo estudo (6 de 30 pacientes) foram classificados erroneamente como tendo pré-diabetes. Entretanto, o uso da A1C para diagnóstico do pré-diabetes (intolerância a glicose) não é universalmente aceito.
Embora alterações no metabolismo da glicose sejam comuns na tireotoxicose, o efeito do hipotireoidismo no metabolismo glicêmico é ainda motivo de debate.
Segundo os autores, a limitação deste estudo inclui o fato de que a seleção dos pacientes foi prejudicada pela escolha de pacientes com hipotireoidismo iatrogênico previamente ao tratamento com iodo radioativo e pelo fato de eles não mensurarem a vida média dos eritrócitos.
Em conclusão, esses dados sugerem que pacientes não diabéticos com hipotireoidismo
apresentam níveis de A1C falsamente altos. Portanto, o efeito do hormônio da tireóide sobre A1C deve ser considerado na interpretação deste parâmetro em pacientes com distúrbios da tireóide.